Por Luiz Eduardo Rocha Paiva
O contragolpe de 31 de março de 1964 deve ser analisado no contexto da Guerra Fria entre os EUA e a URSS, onde se disputava o poder hegemônico global. Foi um conflito indireto, pois as manobras decisivas ocorreram nos campos político, econômico, científico-tecnológico e social, com intenso uso das operações psicológicas e da propaganda dos sistemas capitalista e socialista, respectivamente, pelos EUA e a URSS, líderes dos blocos antagônicos.
As bases para o progresso e bem-estar das nações, no pensamento americano, seriam o liberalismo econômico e a democracia e, no pensamento soviético, o dirigismo estatal e a ditadura do proletariado sob o partido comunista. A visão predominante na sociedade brasileira alinhava-se à democracia e ao liberalismo econômico, este último com adaptações, admitindo a ampla participação do Estado na economia.
Na década de 1950, a URSS, matriz do modelo soviético de promoção do movimento comunista internacional, passou a priorizar a via pacífica para a tomada do poder. A estratégia era a da subversão, com o objetivo de conquistar o apoio da população, empregando ações de cunho político e psicológico para lograr a ruptura entre a nação e as instituições e preparar a sociedade para aceitar uma nova ordem político-social. A luta armada ainda era uma alternativa, como golpe final do processo revolucionário, se fosse preciso.
Nos anos 1960, o Brasil não tinha instituições maduras e fortes para sustentar a democracia, abalada por sucessivas crises político-militares desde 1922. Embora houvesse desenvolvimento, o progresso não satisfazia as necessidades básicas da maioria da população. Essa vulnerabilidade e outras de cunho político, econômico e social facilitaram a ocupação de espaços importantes pela esquerda radical por meio da agitação e propaganda, instrumentos de subversão manejados por agentes infiltrados em alvos prioritários como sindicatos, meio acadêmico, órgãos de governo, Igreja e Forças Armadas (FA).
No início de 1964, a situação político-social no país prenunciava um conflito com potencial para desaguar numa guerra civil de cunho revolucionário. Em 13 de março, o presidente do Partido Comunista Brasileiro (PCB), Luiz Carlos Prestes, declarou que o partido já tinha o governo e só lhe faltava o poder quando discursava no comício da Central do Brasil (Rio de Janeiro).
Ao seu lado, o presidente Jango respaldava o dirigente de um partido ilegal e radicalizava o discurso, tentando intimidar as instituições, inclusive o Legislativo, para a aprovação de medidas populistas visando a angariar o apoio ou a neutralidade da população ao golpe em curso. As chamadas reformas de base, cujo slogan era reformas na lei ou na marra, mostra o perfil radical de seus mentores. O processo de quebra da hierarquia e disciplina nas FA, apoiado pelo próprio presidente em flagrante desrespeito à Constituição, reforçava a crença na vitória. Jango era conivente com o golpe comunista e setores do governo, sindicatos e partidos de esquerda se articulavam com o PCB para implantar a República Sindicalista, pela qual o país ingressaria no bloco comunista seguindo os passos de Cuba.
O 31 de Março foi o desfecho de um movimento civil-militar que mobilizou toda nação e impulsionou as FA sem dar condição de reação a um governo que perdera a autoridade moral e o respeito da nação. Nos dias subsequentes, milhões de cidadãos comemoraram a vitória da democracia em todos os estados da Federação como mostrou a mídia nacional.
Os blocos oponentes na Guerra Fria tinham estratégias e planos para influenciar e intervir globalmente na defesa de seus objetivos, como acontece nas relações interpotências. O Brasil, país dotado de recursos valiosos e de posição geoestratégica que o projeta em toda América do Sul, era um ator decisivo tanto para os EUA como para a URSS. A imposição do regime comunista no Brasil levaria à queda de todo subcontinente, sendo previsível que os EUA estivessem preparados para intervir militarmente, escaldados pela então recente adesão de Cuba ao bloco soviético.
A esquerda revolucionária recebia recursos, treinamento e respaldo político das matrizes soviética, chinesa e cubana, sendo hipocrisia condenar o apoio político dos EUA ao contragolpe de 31 de março. O apoio se restringiu ao nível político, pois uma intervenção bélica seria inaceitável e as FA reagiriam militarmente a tal afronta à soberania nacional, fiéis ao compromisso de defender a honra da Pátria.
O insucesso da via pacífica levou a esquerda radical a deflagrar a luta armada, que foi neutralizada a um custo de 500 mortos entre guerrilheiros, agentes do Estado e cidadãos comuns. Como exemplo, o preço da luta armada em El Salvador, em doze anos de conflito, foi de 80 mil mortos, 400 mil deslocados de suas propriedades e 1,5 milhão de refugiados nos EUA, sendo El Salvador do tamanho de Sergipe e com 7,5 milhões de habitantes.
De 1922 a 1964, houve mais de uma dezena de crises institucionais onde chefes militares, envolvidos na política partidária, arrastavam consigo parte da tropa num Brasil ainda imaturo para a democracia. Havendo ou não honestidade de propósitos, ficavam prejudicados: o compromisso, que deve ser exclusivo com a nação; a dedicação, que deve ser integral à missão constitucional; e os princípios de hierarquia e disciplina, comprometendo a coesão nas FA e a própria unidade nacional.
O regime de 1964 afastou as FA e os militares da ativa da política partidária e criou condições para o fortalecimento das instituições. As crises políticas não tiveram mais o envolvimento militar e, hoje, são resolvidas nos foros apropriados. Os generais presidentes reconheciam a excepcionalidade do regime e manifestavam o objetivo de retorno à normalidade institucional, o que se cumpriu com a revogação do AI-5, a anistia e a abertura democrática após a derrota da luta armada e a aceitação pelos ex-guerrilheiros das regras do jogo democrático.
Luiz Eduardo Rocha Paiva é General da Reserva do EB.